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Filhos, pais e amigos enfrentam um luto mais profundo quando a perda ocorre por feminicídio

Para a psicóloga, mais importante do que apenas institucionalizar essas crianças é que o Estado ofereça terapia com profissionais capacitados, crie grupos de apoio e desenvolva políticas de prevenção à violência

Sábado, 13 Setembro de 2025 - 07:30 | Luiza Ferraz


Filhos, pais e amigos enfrentam um luto mais profundo quando a perda ocorre por feminicídio
Algumas das vítimas de feminicídio de janeiro a 12 de agosto de 2025 (Imagem: Reprodução Luciano Muta)

O feminicídio afeta a vida de milhares de famílias todos os dias, foram 718 casos no primeiro semestre de 2025 no Brasil, sendo 26 deles só no Mato Grosso do Sul. Pouco se fala sobre quem fica após a morte dessas mulheres. Além dos familiares como mãe, pai e irmãos, as maiores vítimas vivas são as crianças filhas dessas mulheres.

A psicóloga Sarah Martins explica como agir com esses filhos: “Por se tratar de uma criança, que é um dos indivíduos mais vulneráveis da sociedade, o primeiro passo é oferecer acolhimento. Muitas vezes essas crianças presenciam as agressões antes do feminicídio. Elas não apenas perdem a mãe, mas também a sensação de segurança no mundo. É fundamental apoio psicológico especializado para que o luto seja elaborado de forma saudável. ”

Segundo a psicóloga, o processo de luto infantil passa por estágios como negação, raiva, barganha, depressão e, por fim, aceitação. Sem acompanhamento adequado, a criança pode permanecer presa a fases dolorosas.

“É importante que avós, tios ou irmãos mais velhos, que assumem a guarda após o crime, recebam também orientação e apoio. O cuidado não deve ser apenas prático, mas emocional e educativo”, reforça.

Além da dor, há ainda atravessamentos financeiros, já que muitas famílias perdem sua principal provedora. “É necessário buscar auxílios governamentais e informação sobre os direitos dessas crianças. A vulnerabilidade não é só emocional, mas também social e econômica”, acrescenta.

No campo jurídico, ainda não existem políticas públicas específicas para órfãos do feminicídio. Formalmente, a tutela segue com o pai, mesmo que ele seja o agressor, e só depois é transferida judicialmente para familiares próximos.

“Mais do que institucionalizar essas crianças, o Estado deveria oferecer terapia com profissionais capacitados, criar grupos de apoio e fomentar políticas de prevenção da violência. Essas crianças já perderam a família nuclear, não podem perder novamente o direito de crescer em vínculos afetivos estáveis”, diz Sarah.

Pesadelos, dificuldades de socialização, queda no desempenho escolar, desconfiança em relação a figuras masculinas e comportamentos agressivos estão entre os efeitos mais comuns. A longo prazo, podem surgir depressão, ansiedade e até a reprodução do ciclo da violência.

“O trauma é global, atinge o emocional, o social e o educacional. Sem intervenção precoce, pode marcar toda a vida da criança”, alerta a especialista. Mesmo com leis criadas para coibir o feminicídio, os números seguem crescendo. Para Sarah, o problema está nas raízes culturais.

“Vivemos em um país patriarcal, onde o machismo e a misoginia ainda sustentam comportamentos violentos. Esse ciclo é aprendido e reproduzido. Romper com ele exige educação, denúncia e mudança cultural”, analisa.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante proteção integral desde os anos 1990, mas, na prática, ainda há falhas na aplicação. Sarah lembra que não é apenas dever do Estado proteger essas crianças: “Defender crianças é obrigação de todos. Elas precisam ser vistas, escutadas e apoiadas. Só assim terão a chance de transformar uma experiência marcada pela violência em um futuro possível. ”

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