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“Violência obstétrica não deve ser normalizada”, destaca enfermeira obstetra
Episódio de morte de bebê durante parto na maternidade Cândido Mariano traz um alerta
Quarta-feira, 29 Outubro de 2025 - 08:17 | Letícia Furtado

No último dia 16 de outubro, um bebê morreu durante um parto normal na maternidade Cândido Mariano. Segundo o relato da família, a mãe da criança foi internada ainda na quarta-feira, dia 15, porém, o parto só aconteceu cerca de 20 horas depois.
A família acusa a maternidade de negligência e violência obstétrica, pois ele foi conduzido com o uso de força excessiva, já que em determinado momento o médico passou o braço por cima da barriga da mãe e ainda pediu para que pai fizesse o mesmo. Foi nesse momento que o bebê nasceu, porém, não apresentava sinais vitais.
A mãe do bebê, Cláudia Batista, realizou o acompanhamento pré-natal, mas não recebeu nenhuma recomendação de cesariana, apesar do bebê pesar cerca de 3,4 quilos. Infelizmente, o caso de Cláudia não foi o primeiro e nem vai ser o último. De acordo com a Pesquisa Nascer no Brasil, elaborada pela Escola Nacional de Saúde Pública, 45% das gestantes atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são vítimas de violência obstétrica.
A violência obstétrica é uma realidade silenciada que afeta milhares de mulheres todos os anos no Brasil. Ela pode ocorrer durante o pré-natal, o parto ou o pós-parto, e envolve qualquer ato, palavra ou omissão que cause dano físico ou emocional à gestante. Embora muitas vezes seja naturalizada, essa violência é uma forma de violação dos direitos humanos e reprodutivos das mulheres.
A enfermeira obstetra, Ellen Kaneko, comenta as intervenções que são violência obstétrica, ela conta principalmente sobre a episiotomia que é um corte cirúrgico feito na área entre a vagina e o ânus, com o objetivo de aumentar a abertura do canal de parto e facilitar a saída do bebê. E sobre a ocitocina sintética, aplicada por via intravenosa para induzir o parto e acelerar as contrações.
“Pode ser tanto uma intervenção que não teve consentimento daquela paciente, uma epísio que ela nem sabia, mas fizeram, ou uma intervenção que não tinha necessidade, uma ocitocina, por exemplo, em que a paciente já estava com bastante contração e foram lá e colocaram mais. Então tudo que não é baseado em evidências pode ser uma violência obstétrica”, explica a obstetra.
Ela ainda ressalta que a maioria das gestantes não tem informação o suficiente para saber dos seus direitos, então, elas acabam achando normal algumas situações que, na verdade é violência. E, por outro lado, os profissionais estão muito acostumados com a cultura de que o parto é um procedimento médico e não enxergam o parto como algo fisiológico e humano. Portanto, acabam utilizando práticas que são ultrapassadas e sem evidências, porque vão reproduzindo aquilo como um padrão.
A presença de enfermeiras obstetras em um parto faz muita diferença. Entre suas principais funções estão o acompanhamento de consultas de pré-natal, a realização de partos normais sem complicações, o monitoramento do bem-estar da mãe e do bebê, a orientação sobre amamentação e cuidados com o recém-nascido, além do apoio emocional à mulher e sua família durante todo o processo gestacional. De acordo com Ellen, a formação da enfermeira obstetra já é para um parto mais fisiológico, com menos intervenções, e que respeita o tempo da mulher, além disso, quando tem enfermeiras obstetras atuando, o índice é menor de intervenções desnecessárias.
Além das enfermeiras, a presença de um acompanhante é essencial. Segundo a Ellen , o ideal é o acompanhante, junto com a gestante, se prepararem com bastante informações durante os meses da gestação.
“Nas consultas que eu acompanho, com a mulher já perto do nascimento, eu faço questão que o acompanhante esteja junto porque a gente fala sobre plano de parto. Então, os dois precisam preencher o plano de parto juntos, porque às vezes a mulher vai estar com muita dor e ela não vai perceber o que está acontecendo ao redor dela, quem vai poder ajudar é o acompanhante. Ele que consegue ver as atitudes que os profissionais estão tomando em relação à paciente”
A advogada criminalista Ana Paula Pereira conta que apesar de não existir uma lei federal específica e que tipifique a violência obstétrica, o termo é utilizado para descrever qualquer ato, conduta ou omissão praticada por profissionais da saúde que possam causar constrangimento, humilhação, desrespeito, dor desnecessária ou um tratamento desumano durante a gestação.
Ela comenta ainda os exemplos mais comuns, como: negar atendimento a gestante, impedir a presença de um acompanhante, realizar procedimentos sem consentimento, como é o caso da episiotomia, ou uma cesariana forçada, fazer comentários humilhantes e culpabilizadores, recusar analgesia sem justificativa médica, ou submeter a mulher a posições desconfortáveis e dolorosas sem necessidade e desconsiderar o plano de parto. “Essas condutas violam direitos fundamentais, a dignidade, a integridade física, psicológica e a autonomia da mulher”, afirma Ana Paula.
A advogada Ana Paula Pereira comenta que mesmo sem uma lei específica, a violência obstétrica já encontra amparo em diversas normas do ordenamento jurídico. A constituição Federal garante a dignidade da pessoa humana e a integridade física e psicológica da mulher.
No código penal, podem ser aplicados os artigos 129, que trata de lesão corporal, artigo 132, que é o perigo a vida ou a saúde, a omissão de socorro no artigo 135 ou ainda no código penal, o artigo 146 que trata do constrangimento ilegal. O código civil nos artigos 186 e 927, que trata da responsabilidade por ato ilícito e da obrigação de indenizar, já no código de defesa do consumidor, no artigo 14, prevê responsabilidade dos hospitais e planos de saúde pelos danos causados.
E, além disso, leis como a Maria da Penha e o Estatuto da Mulher reforçam o direito ao atendimento digno e humanizado. “A violência obstétrica é reconhecida como uma forma de violência de gênero, pois ela ocorre em um contexto de desigualdade estrutural entre homens e mulheres e atinge exclusivamente o corpo feminino. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já vem reconhecendo esse enquadramento, especialmente quando há uma violação de autonomia produtiva da mulher, ou tratamento discriminatório durante o parto”
Voltando a comentar sobre o caso citado no início, o que mais chamou a atenção de quem presenciou o parto de Cláudia, foi o fato do médico ter “puxado o bebê”, usando ainda de uma força excessiva. A obstetra Ellen comenta sobre essas intervenções desnecessárias, “O ideal é que o bebê nasça com o mínimo de intervenção possível. O parto é um processo fisiológico, quando a gente respeita o tempo do bebê e da mãe, ele vai nascer sozinho”.
“Puxar o bebê realmente pode causar riscos, tanto de lacerações para a mulher, quanto de alguma lesão no bebê, dependendo da forma que esse profissional puxou, se foi de uma forma brusca. Existem situações, por exemplo, que a gente chama de distorce de ombros, que precisa de alguma ajuda, então, fazer uma manobra específica, ajustar o ombrinho do bebê de uma forma leve, às vezes precisa de ajuda, mas o ideal é que isso seja feito em caso de real necessidade e de uma forma mais específica”, afirma a especialista.
Ainda de acordo com a delegada Ana Paula, a mulher vítima desse tipo de violência pode e deve registar um boletim de ocorrência, seja em uma delegacia especializada da mulher ou em uma delegacia comum. Também é necessário formalizar uma denúncia ao Ministério Público e aos conselhos de medicina ou enfermagem.
A vítima deve também reunir documentos e buscar uma orientação jurídica para propor uma ação de indenização. Se o fato ocorreu em um hospital público, ela pode representar também junto a ouvidoria da Secretaria de Saúde. O ideal é que a mulher tenha acompanhamento jurídico desde o início para garantir a correta coleta de provas e preservação dos direitos.
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