• Diretor de Redação Ulysses Serra Netto

Geral

Universidade incentiva jardins terapêuticos em comunidades indígenas

Iniciativa fortalece a fitoterapia nas aldeias, unindo conhecimentos indígenas ancestrais aos científicos

Domingo, 18 Maio de 2025 - 07:00 | Redação


Universidade incentiva jardins terapêuticos em comunidades indígenas
(Foto: Divulgação/UFMS)

Lideranças e professores indígenas das aldeias Limão Verde e Buritizinho, do município de Aquidauana (MS), representantes da Saúde Indígena, professores e estudantes da UFMS compartilharam conhecimentos sobre o manejo do solo para a estruturação de jardins terapêuticos. Este termo designa espaços voltados ao cultivo de plantas medicinais para a promoção do cuidado em saúde da comunidade local e essa foi uma das oficinas realizadas pelo projeto de extensão Jardim Terapêutico e Saúde Indígena. A iniciativa busca promover o fortalecimento da fitoterapia nas aldeias, com a união dos conhecimentos indígenas ancestrais aos científicos.

Comparando-se à plenitude de uma planta, que é composta por raízes, caule, folhas, flores, frutos e sementes, o projeto de extensão desenvolvido pela Universidade contempla também diversas frentes, com previsão de capacitações sobre as plantas medicinais cultiváveis e de uso caseiro, bem como a divulgação da fitoterapia para as comunidades e equipes de saúde; identificação botânica das plantas que já são de uso comum entre os indígenas e a busca de informações na literatura científica sobre a segurança toxicológica delas; e a estruturação em si de jardins terapêuticos junto à Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI), com a doação de mudas e insumos.

O projeto é coordenado pela professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Alimentos e Nutrição (Facfan) Soraya Solon e desenvolvido pela Liga Acadêmica em Farmácia Viva, em parceria com o Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena do estado, que faz parte da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai).

Jardins terapêuticos em aldeias indígenas
(Foto: Divulgação/UFMS)

Raízes - O uso das plantas medicinais é uma prática comum nas comunidades indígenas e o conhecimento radicado sobre as espécies e suas aplicações costuma passar de geração em geração. “Nós, que somos indígenas, já crescemos com esse entendimento de plantas medicinais, nossos anciões sempre usaram isso com a gente. Entrando na Universidade, observei que o curso de Farmácia tem tudo a ver com isso”, aponta a estudante do sétimo semestre, terena da aldeia Tereré de Sidrolândia e integrante da Liga Acadêmica em Farmácia Viva, Lucyanna da Silva Cabo.

“Desde pequenos fomos ensinados que, com as plantas, podemos fazer certos remédios que serão benéficos à nossa saúde, então trouxemos isso conosco pra Universidade e abriu-se uma oportunidade com esse projeto para avançarmos, conhecermos mais plantas e confirmarmos os benefícios não só para a nossa comunidade, mas para todos”, confirma o estudante do terceiro semestre, integrante da aldeia Água Branca TI Taunay Ipegue de Aquidauana e também integrante da Liga Acadêmica em Farmácia Viva, Jerri Candido Pereira.

A responsável pela pasta Medicinas Indígenas do Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena/MS, Nilzanir Torres Martins, aponta que, além de valorizar os saberes tradicionais e promover a troca com os conhecimentos científicos, o intuito da ação é também a preservação e resgate dessas tradições. “Às vezes a gente vê que muitos desses saberes ficam mais com os mais velhos, por isso envolvemos no projeto não só os agentes de saúde, mas também a escola estadual do território, os alunos também terão contato com o jardim, orientados pelos professores que estão presentes nesta capacitação”, explica.

Jardins terapêuticos em aldeias indígenas
(Foto: Divulgação/UFMS)

Terena da aldeia Buritizinho, Nilzanir fez a articulação com as lideranças locais, com a gerência da UBSI e a direção da Escola Estadual Indígena de Ensino Médio Pascoal Leite Dias para a execução da ação. Junto à coordenadora, Soraya Solon, desenvolveu o projeto inicial, aprovado no edital da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia de MS (Fundect-MS) para promover Extensão Tecnológica para Agricultores Familiares, Povos Originários e Comunidades Tradicionais.

“Iniciamos a proposta em 2023, incluímos o projeto também no Sistema de Informação e Gestão de Projetos da UFMS, então, além do fomento da Fundect, fomos aprovados nos programas de Apoio e Fomento à Extensão e Institucional de Bolsas de Extensão. Iniciamos nossas ações em 2024, a primeira visita aos territórios foi em abril do ano passado, nossa relação com as lideranças já está bem amadurecida”, aponta a coordenadora Soraya. Além da UFMS, do Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena, da Sesai e da Fundect-MS, participa ainda da ação o Núcleo Guavira das RedesFito da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Jardins terapêuticos em aldeias indígenas
(Foto: Divulgação/UFMS)

Caule - Para a professora Soraya Solon, o papel desempenhado até o momento é o de conectar os detentores do conhecimento. “Eles [os indígenas] têm uma grande riqueza de informação sobre o uso de plantas medicinais, mas também algumas fragilidades. Então, o sentimento que estou tendo neste projeto é o de fazer uma ponte com a academia, para diminuir as fragilidades. Por exemplo, as capacitações previstas eram para ocorrer todas no território indígena e, já no ano passado, iniciamos capacitações sobre fitoterapia com os agentes de saúde lá. Em um encontro que tivemos em março deste ano lá no território, as lideranças sinalizaram que queriam conhecer mais sobre o manejo do solo aqui no nosso horto da UFMS. Então buscamos profissionais daqui que atuam nessa área de conhecimento e organizamos uma capacitação de oito horas tendo como tema de abertura o manejo de solo e, posteriormente, temas relacionados com o cultivo de plantas medicinais como compostagem, melicultura, educação ambiental e farmácia viva. Por meio do projeto fornecemos o combustível, o Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena providenciou o veículo e eles se organizaram e vieram para esta capacitação. É um processo muito rico de aprendizado mútuo”, observa.

O horto na Cidade Universitária e o projeto de extensão estão sendo viabilizados com mudas doadas pelo Horto de Plantas Medicinais da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Grande Dourados, por meio da professora Maria do Carmo Vieira, que integra o projeto da UFMS. “Desde o ano passado já trouxemos mudas de lá. Quando vamos de caminhonete trazemos cerca de 150, mas em breve teremos um caminhão que trará mais de mil mudas para o cultivo aqui em Campo Grande”, celebra a coordenadora.

Ao todo, 130 mudas já foram entregues para a formação do Jardim Terapêutico junto à UBSI. Na capacitação junto aos prescritores realizada no ano passado, foram apresentados e entregues o Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira (2021) e o Caderno da Atenção Básica: Plantas Medicinais e Fitoterapia na Atenção Básica (2012). 

Jardins terapêuticos em aldeias indígenas
(Foto: Divulgação/UFMS)

“Este horto é para atender tanto os pacientes da unidade básica, como a comunidade em geral. Eles vão conseguir ver qual planta pode ser utilizada para qual enfermidade, dentro do contexto da fitoterapia baseada em evidência e em conhecimento tradicional, que é o que a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos diz. O farmacêutico tem a atribuição de garantir para a população o uso das plantas medicinais com segurança, eficácia e qualidade. Vamos apresentar também como o Ministério da Saúde e a Vigilância Sanitária orientam as preparações caseiras”, destaca.

Folhas, Flores e Frutos - Algumas das espécies medicinais já utilizadas pelas comunidades indígenas indicadas pelos estudantes Jerri e Lucyanna são a erva cidreira (Lippia alba), a terramicina (Alternanthera brasiliana), a folha da laranjeira (Citrus sinensis) e a folha da goiabeira (Psidium guajava).

“A mais conhecida na minha comunidade é a erva cidreira, que é um calmante natural muito usado, e a terramicina que é usada para ferimentos, é um antibiótico também conhecido como penicilina. Aqui na Universidade, a gente viu o quanto ela é importante”, destaca Jerri. “Usamos a folha da laranjeira para febre e dor de cabeça e o broto da folha da goiabeira para curar diarreia. Então, na Universidade, aprendemos que realmente são usadas para isso e conhecemos também outras plantas que não tínhamos ouvido falar ainda”, ressalta Lucyanna.

Jardins terapêuticos em aldeias indígenas
(Foto: Divulgação/UFMS)

Uma das espécies que os estudantes ainda não conheciam e que já está no horto é o mulungu (Erythrina verna), que tem ação calmante. “Por meio do projeto, a gente conheceu também o marmelo (Cydonia oblonga) e a sangra d’água (Croton urucurana). Dela eu já tinha ouvido falar, mas nunca cheguei a ver de perto, e é uma planta bastante usada na nossa comunidade indígena”, aponta Jerri.

A professora Soraya Solon cita e mostra diversas espécies que já foram cultivadas no viveiro e plantadas no horto da Cidade Universitária. Entre as presentes estão o mulungu, a terramicina, a erva cidreira, o anador (Justicia pectoralis) e a erva baleeira (Cordia verbenacea).  

Conforme descrito no projeto, nas aldeias Limão Verde e Buritizinho, o cultivo de muitas dessas plantas é realizado nos quintais, especialmente de moradores considerados detentores do conhecimento e do poder de cura, como os curandeiros, benzedeiras e parteiras. “Além de apresentar à comunidade o que temos de conhecimento sobre a fitoterapia, nosso objetivo é ver nestes quintais quais são as plantas cultivadas e fazer a identificação botânica, para verificar na base de dados o que se sabe sobre elas e trazê-las para o Jardim Terapêutico e para o horto”, ressalta a coordenadora.

Jardins terapêuticos em aldeias indígenas
(Foto: Divulgação/UFMS)

A representante do distrito sanitário revela que a ideia é convidar ainda os especialistas indígenas, que em algumas comunidades são chamados raizeiros ou pajés, para fortalecer as capacitações e promover o resgate dos saberes junto às aldeias, aos alunos da escola e a todos os participantes do projeto. No que tange às preparações caseiras, a professora Soraya explica que o intuito é fazer algo mais elaborado envolvendo a farmacotécnica, o que deve despertar mais jovens para a profissão farmacêutica.

“Estamos aprendendo mais sobre outras plantas que a gente nunca tinha visto na vida, que são de regiões diferentes, de ambientes diferentes. E isso é muito importante para nós, como acadêmicos e como indígenas também”, comenta Lucyanna.
Sementes

O projeto ainda deve ser desenvolvido por um ano, mas desdobramentos já são vislumbrados pela equipe. Ainda em 2025, haverá a inserção do tema Plantas Medicinais na disciplina de Agroecologia da escola estadual, onde também serão realizadas ações de extensão com as crianças e adolescentes. Além disso, as equipes de médicos e enfermeiros da Saúde Indígena atuantes na região participarão das capacitações para, posteriormente, poderem também prescrever as preparações com as plantas medicinais. “Às vezes, as pessoas mais velhas preferem tomar um chá e têm até certo receio de utilizar os medicamentos prescritos. Então elas têm mais aceitação quando são utilizadas raízes e ervas, por exemplo. O intuito é que a nossa própria equipe incentive esse consumo, que tenha perto um especialista indígena que possa acompanhá-la em palestras, rodas de conversa, entre outras ações. […] Tudo isso a gente quer fortalecer com esse projeto”, afirma Nilzanir.

Jardins terapêuticos em aldeias indígenas
(Foto: Divulgação/UFMS)

A professora Soraya Solon lembra que as ações realizadas na Cidade Universitária são baseadas na Farmácia da Natureza, uma farmácia viva situada na cidade de Jardinópolis (SP) que fornece fitoterápicos para distribuição no Sistema Único de Saúde. “Temos como referência o trabalho da professora Ana Maria Soares Pereira, docente da Universidade de Ribeirão Preto e Universidade Estadual Paulista em Botucatu, responsável pela Farmácia da Natureza. O trabalho desenvolvido na Farmácia da Natureza é fantástico. Um exemplo exitoso desenvolvido lá e que estamos replicando aqui na Cidade Universitária é o plantio consorciado entre mulungu e guaco […]. O modelo da Farmácia da Natureza de Jardinópolis (SP) é uma base segura para indicar o que, provavelmente, dará certo aqui”, analisa.

A coordenadora da ação informa ainda que as comunidades indígenas Limão Verde e Buritizinho já iniciaram a preparação do solo e o cultivo nos territórios. “Já estivemos nas comunidades e entregamos insumos para trabalharem o solo. Eles já estão começando o cultivo, então acredito que em cerca de seis meses já tenhamos uma estrutura muito boa lá. A previsão é de que até o final do ano os jardins terapêuticos já estejam prontos”, prevê.

Quanto às capacitações, outras devem ser realizadas em breve, conforme o planejamento do projeto e também a demanda dos líderes indígenas. A expansão para outras aldeias também faz parte dos planos da equipe. “O Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena/MS gerencia os polos de atendimento de todo o estado. Atualmente são 89 mil indígenas de oito etnias. Este é o nosso projeto piloto. Por meio da pasta de Medicinas Indígenas, começamos essa parceria com a UFMS, depois a gente quer expandir para os outros territórios. Começamos com esses pequenos frutos e creio que vamos ter ótimos resultados”, finaliza Nilzanir.

SIGA-NOS NO Google News

Tudo Sobre:

  ufms  planta  aldeia-indigena  terapia