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'Eu só quero pedir perdão a ela'
Segunda-feira, 02 Dezembro de 2019 - 20:45 | Redação
João (nome fictício) é um mototaxista de 59 anos que revela o maior desejo de seu coração, segundo ele próprio: “Eu só quero pedir perdão a ela”. O homem se diz arrependido da tentativa de feminicídio praticada contra a ex-esposa. O crime fez dele um presidiário condenado com base na Lei Maria da Penha.
Em 2012, ele atirou soda e ácido contra a mulher durante uma discussão doméstica. A vítima teve ferimentos leves, mas João foi condenado a 15 anos de prisão em regime fechado. Inicialmente, ele discordava da pena, mas hoje o mototaxista reconhece seus próprios erros e sonha recomeçar a vida.
Esse novo João não nasceu sozinho. Ele é fruto do esforço do Poder Público de Mato Grosso do Sul para recuperar homens condenados por violência doméstica. A transformação de João é tão significativa que foi escolhida para abrir esta reportagem especial sobre as novas mentalidades masculinas.

Porém, também serão apresentados exemplos que merecem ser celebrados como o operador de tratamento de água Edvaldo Mendonça, 40, um marido comprometido com as tarefas domésticas, e Eber Medeiros de Souza, 31, que venceu as próprias resistências e se tornou o requisitado Boy das Unhas.
Os três afirmam que adotar uma postura despida de velhos conceitos, preconceitos ou simplesmente costumes de antepassados não os tornam “menos homens”. Pelo contrário, melhora a relação em família e com o mundo ao redor. João é ainda a prova viva de que a instrução é um dos caminhos para a nova masculinidade.
O mototaxista, condenado inicialmente a 15 anos, como já foi mencionado, conseguiu reduzir a pena para nove anos, movendo recursos. Recentemente, obteve autorização para cumprir prisão domiciliar em função de problemas de saúde. Em suas últimas horas no Centro de Triagem, no Complexo Penal do Jardim Noroeste, em Campo Grande, ele conversou com a equipe do Diário Digital.

João garante que está saindo da prisão para o regime domiciliar uma outra pessoa. Ele relembra que quando condenado, considerou a pena injusta e ficou indignado, mas hoje reconhece que errou como homem. O mototaxista quer usar a própria experiência para provar a outros homens que encontrar pelo caminho que "agir com violência não compensa."
Ele conta que discutiu com a esposa por causa dos cuidados com os filhos. "Estávamos os dois nervosos. Ela veio com a faca e eu atirei o líquido que eu usava para limpar o motor do carro. Era soda e ácido. O juiz entendeu que eu tentei matar", conta. Para João, sua atitude naquele dia se deve à falta de instrução.
O mototaxista só despertou para a gravidade da sua conduta quando passou a frequentar as reuniões do projeto 'Por Respeito à Igualdade' dentro do Centro de Triagem. O projeto é assunto de breve video-entrevista concedida pelo seu criador o agente penitenciário e psicólogo Kenzo Corrêa Mochizuke. Ele explica o funcionamento e a importância da ação para ajudar homens a superarem condutas violentas. Confira:
João assegura que não imaginava que estava praticando violência. “Aprendi sobre os tipos de violência. Jogar o telefone da mulher na parede é uma agressão que pode dar processo. Proibir de usar as roupas que ela queira também é um tipo de agressão. Proibí-la de trabalhar é uma violência patrimonial, pois a impede de ganhar o próprio dinheiro. Nenhum homem pode cometer isso", diz mostrando o que aprendeu no projeto.
Aplicado nos ensinamentos, João já começou a ser um multiplicador dos conhecimentos adquiridos no projeto. "Recentemente, um conhecido meu foi trazido para cá (Centro de Triagem) após agredir a mulher. Ele queria vingança porque ela o denunciou. Então conversei com ele. Meu dever é alertá-lo que a violência não compensa. Só prejudica vidas e a gente acaba preso. Há outras formas de resolver a situação", ressalta.
Foi ouvindo outros homens, que o mototaxista compreendeu que os agressores desconhecem as consequências da Lei Maria da Penha. “Muitos pensam que após dar tapas ficarão apenas dois ou três dias presos e depois estarão livres novamente para descontar a raiva na companheira. Explico que não é assim. Eu digo a eles que a Maria da Penha não é de brincadeira não”, comenta.

Conforme João, nas rodas de conversa do projeto, a “mente se renova” e os homens “esquecem a ira”. “Hoje, sou da opinião que o governo deveria investir em conscientização dos meninos lá fora. Se nesta fase da juventude, eles ouvissem o que a gente ouve aqui neste projeto, muitos problemas seriam evitados”, acredita.
“A grande verdade é que o homem repete os comportamentos que ele vê ao longo da vida, repete sem analisar. O filho que vê o pai batendo na mãe, vai fazer a mesma coisa. Na minha opinião, isso poderia ser evitado com instrução”, acrescenta.
O mototaxista quer mudar também sua relação com os filhos. “Uma das minhas filhas tem atitudes que eu não gosto. Eu pensava em bater. Agora, vou querer conversar com ela”, planeja. “Quanto à minha ex-esposa, só peço que Deus a coloque na minha frente novamente. Eu quero pedir perdão. Errei, ela é a mãe dos meus filhos. Não serei mais a mesma pessoa. Não quero voltar para este lugar (presídio) que não é para mim”, concluiu.
Atualmente, 78 presidiários frequentam as reuniões do projeto no Centro de Triagem. Dados da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) apontam que dos 19.388 encarcerados em Mato Grosso do Sul no mês de Outubro de 2019, 666 foram enquadrados na Leia Maria da Penha, número que representa 3% da população carcerária.

'Não custa nada o homem ajudar ' - Varrer o chão, passar o pano molhado, lavar as louças, limpar o fogão, passar as roupas e preparar a alimentação das crianças. Se esta não fosse uma reportagem dedicada às condutas masculinas, o leitor poderia ter imaginado uma mulher nestas tarefas. Porém, em uma residência no Bairro Moreninhas, na Capital, esta é a rotina do homem da casa.
A palavra 'rotina' não é um exagero neste caso. O operador de tratamento de água Edvaldo Mendonça é realmente um marido comprometido com as tarefas domésticas para ajudar a esposa, a assistente de educação infantil Cristiane Oliveira da Silva, 36, cuja jornada de trabalho é mais longa que a dele.
Edvaldo não só faz o serviço da residência como assume publicamente sua vocação para cuidar do lar. Por vezes, posta nas redes sociais fotos nas quais aparece passando roupas ou lidando na cozinha, por exemplo. Evidentemente, não demorou para virar alvo de piadinhas de conhecidos. "Eu nem ligo. Aprendi a levar na esportiva", garante.

Ele próprio coloca as tarefas domésticas acima das confraternizações com os amigos. "Recentemente, queriam organizar um churrasco e pediram que eu ajudasse. Fui logo avisando que na segunda-feira não é possível para mim, pois é o dia que passo as roupas em casa. É claro que acharam graça, mas esta é realmente a minha rotina", conta.
Edvaldo e Cristiane têm dois filhos Felipe e Enzo, de 10 e 2 anos, respectivamente. Ele revela que, embora ajudasse a mãe nas tarefas de casa na época de solteiro, quando se casou com Cristiane não tinha muita simpatia pelo serviço doméstico. Porém, ao descobrir que a segunda gravidez da esposa era de risco, mudou de postura.
"Passei a trabalhar em casa diariamente e vi que não é algo custoso para o homem. Hoje, não me permito mais passar uma tarde inteira sem fazer nada de produtivo, isso me incomoda", revela. A esposa, por sua vez, elogia o esforço do companheiro, pois, ao contrário do que acontece em muitas residências, Cristiane não precisa ficar pedindo a ajuda do marido como se fosse um favor.

Segundo ela, Edvaldo "faz muita coisa" e "é caprichoso". Edvaldo permitiu que a reportagem verificasse o serviço. De fato, a cozinha estava muito bem organizada e as roupas passadas, dobradas, separadas e prontas para serem colocadas nos armários. Além dos cuidados no lar, também cabe a Edvaldo levar as crianças ao médico e comparecer às reuniões da escola quando a mãe não pode ir. "O homem sempre quer uma mulher que o ajude, mas se não faz nada em casa fica difícil", opina.
Equiparação distante - Evidentemente, a opinião de Edvaldo ainda não é compartilhada por todos os maridos brasileiros. Mas, felizmente, a participação dos homens nas tarefas domésticas têm crescido, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, divulgada em Abril deste ano. Porém, as mulheres ainda dedicam mais horas ao serviço de casa que os homens.
Conforme o levantamento, 87% da população com 14 anos ou mais realizaram afazeres domésticos e/ou cuidado de moradores ou de parentes em 2018, o que representa 147,5 milhões de pessoas. Entre as mulheres, 93% fizeram o serviço, contra 80,4% entre os homens. Em relação ao tempo de trabalho, as mulheres dedicam, em média, 21 horas por semana aos cuidados da casa, quase o dobro do tempo dos homens.

"Observando os últimos três anos, houve um crescimento da participação masculina no trabalho doméstico, porém, as mulheres continuam sendo maioria e dedicam mais horas mesmo em situações ocupacionais idênticas a dos homens. Isso revela uma realidade distante na equiparação de tarefas no domicílio", comentou a analista da pesquisa, Maria Lúcia Vieira, na época da divulgação do levantamento.
O IBGE pesquisou sete atividades em afazeres domésticos e constatou que a mulher foi maioria em seis. Cozinhar foi a tarefa com a maior diferença entre os sexos, com incidência de 95,5% entre as mulheres. A presença masculina foi maior apenas em "fazer pequenos reparos no domicílio" – 59,2% entre eles e 30,6% entre elas, conforme o Instituto.
O Boy das Unhas - No salão de beleza cheio de mulheres, a presença dele chama atenção logo à primeira vista. Eber Medeiros de Souza é designer de unhas conhecido nas redes sociais como Boy das Unhas. Seu trabalho é embelezar as unhas das clientes, o que faz com muito orgulho. Porém, até chegar aí e se tornar um profissional requisitado no que faz, ele precisou vencer a própria resistência em trabalhar no universo feminino.

"Imagina que aos 16 anos eu tive a oportunidade de fazer um curso de maquiador, de graça. Eu rejeitei porque pensava que era coisa de mulher, que eu não me encaixaria. Hoje, vejo que foi falta de maturidade", admite. Eber que sempre trabalhou como vendedor um dia se viu desempregado. Sua primeira intenção era fazer um curso de barbearia que estava em alta. Porém, uma prima ofereceu a ele um curso de designer de unhas gratuitamente.
"No começo não gostei, mas persisti e continuei tentando. Quando vi estava apaixonado pela profissão", relembra. Apesar disso, Eber demorou a entrar de cabeça na oportunidade. "Eu continuava fazendo serviço de promotor de vendas paralelamente. Foi só em Janeiro deste ano eu determinei que viveria só das unhas e assim o fiz", acrescenta.
Eber não tem mais vergonha de ser o único no meio de muitas mulheres, pelo contrário, se sente valorizado e reconhecido pelo exigente público feminino. Atualmente, a agenda dele é lotada. O designer já tem clientes marcadas até para o mês e Janeiro de 2020. "A mulher gosta do serviço do homem. Ela se sente bem quando tem um homem fazendo algo para ela", acredita. "Uma cliente me confidenciou que prefere o trabalho do homem porque ele sempre faz do que jeito que ela pede", completa.

Com a palavra, as girls - Cliente de Eber, Zenira Nishihira só tem elogios ao profissional. "Ele é muito atencioso e caprichoso, não deixa nada a desejar para o trabalho de uma mulher. O Eber é muito detalhista. O homem quando vai fazer um trabalho que a mulher domina, ele procura fazer melhor", analisa.
A proprietária do salão de beleza, Aline Monteiro, conta que Eber é o primeiro homem a trabalhar no estabelecimento. "Ele foi muito bem aceito pela clientela. As mulheres quando o veem no salão, ficam curiosas em relação ao trabalho dele. Elas querem fazer com um homem", relata.
Diante de tanto incentivo, Eber não tem mais dúvidas de que está no caminho certo. "Quero cada vez mais focar nesta área. Vou buscar referências de fora do Estado e até internacionais para tentar me aprimorar", revela Eber que, inclusive, já ministra cursos de alongamento de unhas na Capital. O profissional mantém um perfil no Instagram onde seu trabaho pode ser conferido de forma mais detalhada (@boydasunhas).

Masculinidade sensível - Em busca de lidarem melhor com sua masculinidade, homens têm se unido para darem vazão aos sentimentos. Vários trabalhos em grupo têm surgido pelo País. Em Campo Grande, o Coletivo M.A.S.S.A virou uma referência. O nome, aliás, é a abreviação para Masculinidade Autêntica, Sensível, Saudável e Acolhedora.
O grupo, criado há um ano e meio, realiza rodas de conversa mensalmente, só com a presença dos homens e debate temas como paternidade, aparência, empatia e outros. O fundador é o psicólogo Amin Taher Asrieh. A criaçao do grupo se deu pela necessidade do próprio Amin que queria aprender a lidar melhor com seus sentimentos."Eu vivia uma fase de leve depressão. Eu tinha um bar que faliu. Era difícil pra mim como homem admitir que falhei. Senti uma tristeza que eu nunca tinha sentido antes", conta.
As reuniões começaram para grupos fechados, incluindo apenas convidados. Com o aumento da demanda, o Coletivo se reorganizou e passou a realizar reuniões mensais. Os participantes fazem "acordos e combinados" que incluem confidencialidade, por exemplo. O que é revelado no grupo, fica no grupo.
"A gente cria o ambiente para que as pessoas se exponham, com a segurança de que ninguém será julgado, diminuído ou questionado na sua sexualidade.Os participantes falam em primeira pessoa. Não queremos teorizar, mas sim compartilhar experiências para construirmos juntos outras formas de masculinidade e não estas impostas pela sociedade e que são tóxicas e maléficas para a saúde do homem", detalha Amin.

O psicólogo é orgulhoso das próprias consquistas alcançadas graças a busca por uma melhor masculinidade. "Eu tinha um relacionamento muito ruim com meu pai. Nos encontros, falamos sobre figura paterna. Muitos homens não esperam do pai uma relação afetiva, porque acreditam que ele passou por um processo semelhante ao nosso, só que nós estamos permitindo nos reconstruir; eles não puderam fazer isso", analisa.
Amin que sofria o vazio de não receber o carinho esperado do pai, passou a compreendê-lo melhor. "Percebi que ele tinha sim a maneira de demonstrar afeto dentro do papel dele como homem. Por exemplo, ele me permitiu construir o profissional que eu sou, fazer uma faculdade sem ter que trabalhar. Naquele momento, percebi que eu deveria fazer algo diferente para melhorar a relação. Passei a ser mais afetuoso com o meu pai e, pela primeira vez, consegui dizer que o amava", relata.
O fundador do M.A.S.S.A também enaltece as conquistas dos outros homens frequentadores do Coletivo. "Alguns homens compartilham no grupo fotos vestindo camisas floridas que antes não usavam. Eles achavam que aquela roupa não se encaixava na estética masculina. Outros passaram a cuidar melhor da saúde. Então, ocorreram muitas mudanças bacanas." O trabalho do Coletivo pode ser acompanhado no Instagram.

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